Sabrinas e Palomas
Juliana Borel
Apareceu assim, como se eu
estivesse em alfa o tempo todo e, de repente, ele surgiu na minha frente.
Engraçado é que há pouco tempo eu tinha ouvido falar daquele livro. Por isso,
quando por acaso vi Sapato de Salto,
da Lygia Bojunga, numa livraria do Centro do Rio, não pude parar de pensar que,
se destino existe mesmo, aquilo devia ser um sinal.
Então, comprei o livro.
Tive que esperar algumas semanas para mergulhar de cabeça, pois ainda terminava
de ler Saco de Ossos, do incrível Stephen King (já leu? Não recomendo para quem
tem problemas cardíacos... É só um alerta!). E assim, em alguns dias, saí do
imaginário mundo bizarro de King para o real mundo de Lygia.
Sapato
de Salto... Se eu não
soubesse que o livro aborda temas como abuso sexual e prostituição infantil,
talvez achasse que a história fosse uma comédia romântica daquelas bem
açucaradas, com momentos de transformação da protagonista de patinho feio para
a menina mais bonita da escola.
A história de Sabrina não
poderia ser mais distante disso! Uma garotinha órfã que já aos 10 anos descobre
toda a crueldade que pode haver nos homens. Abusada a primeira vez na casa onde
vai trabalhar como babá e os infortúnios que a levam a se prostituir vão, aos
poucos, indo dos olhos para o cérebro, percorrendo nossas entranhas, invadindo nossas
veias do entendimento e atacando nossos corações. Pelo menos foi isso o que
senti... Um verdadeiro soco no estômago.
Curioso mesmo é como a
Lygia consegue abordar com leveza um assunto tão pesado. Como o soco desferido
pela história de Sabrina consegue, ao mesmo tempo, ferir e entreter.
Conheço pessoas que
choraram o livro inteiro. Eu não.
Não, o que me fez chorar
no livro foi a bondade de Paloma, a mãe de Andréa Doria (que delícia o Andréa Doria),
mulher submissa de Rodolfo (pena, muita pena, do Rodolfo), irmã do Leo (o mundo
precisa de mais Leos como o dela) e cheia, cheia de amor. O que me fez chorar
foi a sua esperança e a sua certeza de que sempre é possível salvar uma
criança, não importa quanto mal ela tenha visto ou vivido.
Sim, foi isso o que me fez
chorar. Perceber que temos mais, muito mais, Sabrinas do que Palomas no mundo.
E, se o acaso decidir, e
um dia uma Sabrina aparecer na minha vida, espero, do fundo do coração, ser uma
Paloma para ela.
* Juliana Borel é jornalista, participa do curso de literatura infantil da Estação das Letras